domingo, 15 de maio de 2011

catarse de sábado à noite.

Eu tinha uma festa para ir ontem à noite. Já havia marcado com Jojô há muito tempo atrás e estava até animado durante a semana. Mas festas satisfazem o corpo. E tudo indicava que não era meu corpo que necessitava de cuidados ontem. Troquei, portanto, os embalos de sábado à noite por edredons e duas obras cinematográficas que satisfizeram as aflições catárticas da minha alma.

O primeiro filme em cartaz da noite foi Reencontrando a Felicidade (Rabbit Hole no original, filme de 2011), um relato emocionado de um casal — lindamente interpretado por Nicole Kidman e Aaron Eckhart — que perdera o filhinho de quatro anos e, desde então, encontra dificuldades para seguir em frente com a vida.

A história desenrola-se depois de oito meses da morte fatídica do menino, o que é crucial para a atmosfera e o enfoque do filme. Não há cenas melodramáticas, apelo para choros exagerados ou diálogos fúteis. Os personagens encontram-se numa fase mais madura e dolorosa da morte, questionam a posição de Deus diante de tudo isso, enfrentam a parte mais difícil que é deixar para trás as lembranças e reencontrar o amor que tinham um pelo outro. A dor dos pais consternados, o relacionamento da mãe com o menino que causara o acidente que matou seu filho, os conflitos familiares, tudo ganha uma abordagem sutil, o que aprofunda a emoção que o filme nos causa. Ao afastar-se de um dramalhão, o filme aproxima-se de uma realidade que nos faz doer sinceramente. O baque foi tão imenso que eu ainda chorava copiosamente quando os créditos terminaram de subir.

Tomando fôlego, deixei o cinema norte-americano para assistir uma produção colombiano-peruana chamada Contracorrente (Contracorriente, 2009), bela surpresa ensolarada, lindo relato singelo de amor. Miguel, um simples pescador de um vilarejo peruano, mantém um caso com o pintor Santiago, embora seja casado e seu primeiro filho esteja pra nascer nos próximos dias. O pintor deseja viver junto com Miguel, mas falta coragem para o pescador de enfrentar a sociedade e os costumes do vilarejo. Santiago acaba morrendo num acidente de barco e sua alma fica presa a Miguel, sendo o único que pode vê-lo. É então que os dois vivem a plenitude do amor, embora Miguel precise encontrar o corpo do amado para promover os rituais de passagens e deixar Santiago descansar.

Embora tenha o tema da morte como mote principal também, Contracorrente mostra um lado diferente do fim da vida, guiado principalmente pelas crenças do pequeno vilarejo de pescadores, que acredita que o corpo precisa ser ofertado ao mar para a alma poder descansar. O amadurecimento de Miguel durante esse período, a sua aceitação, sua mudança de postura são mostrados de forma muito sincera, apoiados na ótima atuação de Cristian Mercado. O filme às vezes ganha atitudes acaloradas, um tanto dramáticas, mas nada que tire o equilíbrio de um ótimo roteiro E, acima de tudo, a história de amor dos dois é absolutamente apaixonante.

Eu tenho andado morto por dentro. Preso num vácuo emocional onde não sinto nada, não me emociono com nada que aconteça na minha vida. E cheguei ao ponto assustador de necessitar de filmes, como esses dois, para fazer minha alma sentir alguma coisa novamente. O efeito é devastador. Confesso que estou assustado com essa sensação e espero que tudo isso fique para trás logo. Preciso, urgentemente de qualquer coisa que faça eu me sentir vivo novamente.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

espera.

Esperei.

Esperei como quem crê, como quem faz por merecer, como quem vive pela promessa de que um dia virá. Às vezes, esperei de forma branda, calma, serena; sem olhar para os lados, sem procurar cegamente por qualquer sinal. Outras horas, fui com sede, afoito por cessar a espera. Afoguei-me em tantas expectativas frustradas, em tantos mares tempestuosos de decepções, bebi toda a água salgada e dolorosa do fracasso.

Da espera, colori-te com as cores que me convinham. Sua imagem sem rosto e, ao mesmo tempo, com todas as faces que te dei, feito uma folha branca onde delineei os traços rígidos e rústicos do seu maxilar, os lampejos do lápis desenhando os pelos desgrenhados da sua barba, os rabiscos dando vida aos seus olhos escuros. Esperei, desde então, seu rosto, anonimamente tão íntimo meu, desconhecido, misterioso. Fiz da espera certa, quando seus métodos eram oblíquos e tortuosos, fiz de você meu único, embora você fosse qualquer um.

A espera, contudo, transformou-se em fardo pesado, coisa difícil de sustentar. Metamorfoseou-se em bigorna de desenho animado, amarrada na canela fina, sugando para um abismo sem fim. Buscava explicações para tanta espera e deparei-me com um espelho emoldurado em ouro, refletindo intimamente o ordinário e simplório eu. Vi a mediocridade brilhando à luz do sol outonal, ofuscando minhas pupilas cansadas e entendi: se sequer eu conseguia amar a coisa simplória em que se constituía meu eu, como podia pedir a outra pessoa que aceitasse tal infeliz tarefa?

Da espera, fez-se paz de, talvez, não ser apto e merecedor de receber tal sentimento. Afinal, por que seria o amor, coisa rara, pertinente a qualquer ser humano que encha os pulmões de ar? Não seria o amor precioso e dado como dádiva a poucos que, venturosos, deveriam sentir-se abençoados com a capacidade de amar e, principalmente, de receber amor?

Tenho esperado. Ora aparentemente em vão, ora com a ínfima esperança de ser um desses merecedores, ganhadores de loteria. Tenho esperado.