domingo, 28 de novembro de 2010

technicolor.

A explosão de luzes escocesas. Lívidas. Multicoloridas. Do vermelho sinistro ao amarelo catastrófico.

As cortinas alvas que escondem o picadeiro de desejos. O espetáculo não ensaiado regido pelo nervosismo da possível plateia. O sorriso... Ah, o sorriso.

Teus passos nos degraus estreitos. Tua silhueta lânguida contra o resquício de luz do corredor mal-iluminado. O abrir da porta e os corpos que se encontram num breu, estranhamente, tingido com pincéis alvoroçados e aquarelas ansiosas.

O fechar dos olhos. A penumbra matinal, o fim da farra vizinha, o silêncio sufocado. Como posso ver-te tão nitidamente na tênue linha de luz que ultrapassa a frincha da janela? Brilhas em cores pálidas e oníricas que confundem oticamente minhas retinas exaustas.

O zéfiro de tua respiração em meu pescoço, o deslizar dos dedos no sono leve. As primeiras cores da manhã nublada revelando nossos corpos no teto. O encaixe, o arrepio de frio contido com o peso de tuas pernas sobre mim.

O gosto úmido nos lábios e no pescoço. A intumescência da respiração, a urgência dos suores. O turbilhão de voluptuosas cores e desejos. A suavidade questionadora de teu dedo em minha testa.

Os olhos castanhos. Os teus apertados e brandos, os meus vastos e irrequietos. O reflexo das luzes silenciosas nos plácidos espelhos que eles compunham.

A última gota de saliva em teu pescoço tenso. O silencioso abotoar das camisas, o descer das escadas e a opacidade da luz nas ruas ofendendo nossos olhos preguiçosos.

O esplendor amarelado do desjejum.

E os passos bambos pela cidade calma. Brilhas tão forte ao meu lado que me afogo lentamente no teu mar de cores pungentes. Reprimo a vontade instintiva de abraçar-te, contento-me em mirar o horizonte do teu sorriso.

O navegar pelo rio que me apresentas pacientemente, entrelaçando seus dedos nos meus. Chegamos à nascente dele e, depois de um último abraço, assisto a tu sumir à primeira curva.

Tuas cores colorem meus dias seguintes. Tento, em vão, guardar um tantinho da tua luz numa caixinha esverdeada. Mas, como uma estrela efêmera, a luz extingue-se e as cores se dissolvem numa tempestade acinzentada de frustração.

Tudo é preto-e-branco novamente. Resta apenas a monocrômica solidão angustiada que se torna, cada vez mais, parte idiossincrática de mim.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

belle and sebastian no circo voador: uma odisseia.

Era início de outubro quando descobri que Belle and Sebastian, uma de minhas bandas favoritas, estava de malas prontas para desembarcar no Brasil. Como vocês sabem, sou universitário, destes que encarnam muito bem o papel e vivem duros, contando as pratinhas para a xerox de apostilas. Mas resolvi que essa era uma ocasião especial e quebrei o porquinho, juntei as economias e adquiri meu ingresso - deixando algumas apostilas de História da Língua Portuguesa para um futuro remoto.

O dia era 12 de Novembro, uma sexta-feira acizentada e úmida. Os planos eram pegar meu ingresso com a Nati no Rio às 17h e seguir, com o auxílio da minha santa Tia Cléia, para a casa da Karla, minha prima, com quem iria ao show. Contudo, quando sua banda favorita está prestes a tocar, a lei de Murphy estará à espreita, preparando o bote.

Cheguei às 14h à rodoviária, já descobrindo que o próximo ônibus para o Rio com poltronas vagas só partiria às 16h. Sem problemas, a baldeação é um amiga minha de outros carnavais. Assim, de Friburgo para Cachoeiras, de Cachoeiras para Itaboraí e, finalmente, de Itaboraí para o Rio, uma rota que economiza na grana proporcionalmente o que gasta na paciência. Três ônibus e um atraso não previsto na agenda. SMS para a Nati, possuidora do meu ingresso até então, que avisa que não pode me esperar e precisa atravessar para Niterói. Lá se vai meu ingresso, cruzando a Guanabara numa barca velha.

Passava das 18h quando desembarquei no Rio, achei minha tia e fomos juntos para o terminal das barcas. Sexta-feira. Horário de rush. PUTA QUE PARIU, como tinha gente naquele lugar! Uma fila de 30 minutos, uma viagem numa barca abarrotada e, finalmente, tinha em mãos a preciosidade da noite, disfarçada de uma filipeta de papel de 15 cm. Era mais de 20h quando tomamos o ônibus de volta para o Rio, rumo à casa da Karla. Lembro-me do nervosismo, da ansiedade e, acima de tudo, do medo de perder o show que me assolou durante o percurso do coletivo.

Às 22h, encontro Karla na esquina de sua casa. Faltava 1h para o show. Lache rápido, trocas de roupas, compras de quilos de alimentos e, proxíma parada: Lapa. Encontro o Lucas - um amigo com o qual havia marcado de assistir ao show junto - na fila e, lutando contra todas as forças que regem o planeta Terra, estava dentro do Circo Voador na hora programada.


Make me dance, I want to surrender.

foto de Nailana Thiely.

Os escoceses entraram no palco com 30 min. de atraso, Murdoch com roupas invernais que contradiziam o clima quente que tomaria conta do show. "I didn't see it coming", faixa que abre o álbum mais recente, também abre o show, e um coro estridente de arrepiar os pelos acompanha a voz delicada e suave de Sara, que era só sorrisos. Seguiram "I'm a Cuckoo" e "Step Into My Office, Baby", ambas do álbum "Dear Catastrophe Waitress", que já mostravam o rumo que o show tomaria: a melancolia tão característica de Murdoch e sua trupe daria espaço para as canções mais dançantes, do indie pop de "Dirty Dream #2" e "Write About Love" às feitas para cantar junto, como "The Wrong Girl" e "Another Sunny Day". O vocalista esbanjou carisma com suas dancinhas exuberantes e suas arranhadas no português, chegando a atravessar o público no meio de "If you find yourself caught in love" para terminar a canção na arquibancada superior do Circo. Momento de delírio coletivo.

A doçura das melodias mais melancólicas esteve salpicada num setlist feito para agradar a novos e antigos fãs: "Lord Anthony" e "The State that I'm in" arrancaram suspiros, enquanto clássicos do "If you're feeling sinister" (meu álbum favorito dos caras de hoje e sempre), como "Judy and the Dreams of Horses" e "Like Dylan in the Movies" foram acompanhadas com aplausos calorosos e coros emocionados. Esqueci-me até da ausência da canção homônima desse segundo álbum quando pude berrar a plenos pulmões os versos de "The Loneliness of a Middle Distance Runner". Também vale ressaltar o quão bacana ficou o arranjo que fizeram para "Piazza, New York Catcher", canção que Murdoch cantou sentado à beira do palco, derramando simpatia para a plateia.

Se me pedirem para ser imparcial e dizer como foi o show do Belle and Sebastian do Circo Voador, sou obrigado a assumir que não conseguiria. Era uma das minhas bandas favoritas há pouco mais de 20 m de distância, tocando todas as canções que eu já havia ouvido à exaustão. Mas assista ao vídeo de "Get me Away from Here, I'm Dying", faixa que fechou o show, e tire suas próprias conclusões. Se o show de São Paulo foi acusado pela imprensa de ser frio, podemos dizer que os cariocas mostraram aos escoceses todo o calor do nosso país.