domingo, 10 de outubro de 2010

o fantástico mundo de rapha.

Como eu poderia não me identificar com "Onde vivem os Monstros" - filme que retrata com tanta sensibilidade o mundo secreto da imaginação de uma criança - se fui eu também dono de um vasto mundo quando era um pivetinho mirrado correndo pelas ruas da Chácara do Paraíso? Como não me emocionaria ao ver o pequeno Max criar a aventura de sua vida se ainda hoje sinto falta das peripécias criadas pela minha imaginação há alguns muitos anos atrás? E como, depois de assistir ao belo filme, não me sentir tentado a fazer mais uma visita a esse meu mundo, que guarda em suas paredes multicoloridas os dias mais felizes da minha vida?

As brincadeiras de rua nunca foram suficientes para o pequeno Raphael e seu inseparável boné: não bastava rodar pião, soltar pipa, esconde-esconde e io-iô. Ele queria criar mundos, não importa como fosse. As pedras do seu quintal foram forçadas a se metamorfosear e ganhar vida, tornando-se, cada uma delas, um violento tiranossauro-rex, uma baleia jubarte e até um sapo gigante. Gabava-se da destreza com que pulava de uma para a outra, da agilidade com a qual transitava entre os muitos mundos dos limites do seu quintal. A obra ao lado da sua casa nunca poderia ser simplesmente uma residência em construção. Havia tardes em que ela navegava em mares turbulentos, na forma de uma barco predestinado a naufragar, graças a uma bomba armada por algum ardiloso vilão. A mesma obra podia tornar-se uma escola para as aventuras teen de uma galerinha que adora pintar o sete, como diria o narrador da Sessão da Tarde. E, no alto da megalomania de sua mente, tudo aquilo era uma ilha de pescadores pronta para acompanhar uma ávida história de amor entre uma modelo e um empresário - um roteiro nada infantil que o pequeno encenou sozinho, fazendo todos os papéis. Seu mundo muitas vezes não estava aberto para visitas, era necessário viajar sozinho e se perder em suas matas fechadas - representada tão bem pelo limoeiro no centro do quintal, ao lado do enorme pé de fruta-do-conde. Naquela época, correr sozinho pelo quintal não era sinal de tristeza e solidão. Era apenas a hora de ser egoísta e ter a aventura só para ele.

Mas bom mesmo era cruzar a cerca-viva que separava minha casa da do Léo Jaime e ir desbravar novos mundos. Juntos, inseparáveis, montávamos mundos em miniaturas no quintal dele, com todos os tipos de objetos possíveis. Quando Ritiele estava junto - e não estava chorando, sua especialidade - fazíamos nossa espetacular encenação baseada nos personagens do Senninha, reflexo do impacto causado pela então recente morte do piloto. Um pouquinho mais à frente havia a casa da Dona Lurdes, minha avó adquirida por empréstimo, de paciência infinita com a criançada que se acumulava na varanda da sua casinha. Era tanto amor pela velhinha que havia disputa para saber quem seria o primeiro a dar-lhe um beijo de bom dia - o que me fazia, muitas vezes, despencar para a casa dela às 6 da matina. Com doçura de dar gosto, lembro-me de seus olhos gentis, dos seus braços flácidos me rodeando e do carinho recíproco com que ela me recebia todas as manhãs. Lembro-me também de entrar em minha casa a passos sorrateiros e roubar alguns ovos da geladeira para que Dona Lurdes fizesse um delicioso omelete para todos nós. Improvisávamos uma festa e, dando uma breve pausa nas brincadeiras, devorávamos o omelete.

Em algum tempo, Léo e Riti se foram. Era hora de expandir os horizontes, aumentar os domínios do meu mundinho particular. Chegava agora à Rua Eugênio Couto e, rapidamente, adquiri um novo companheiro para minhas aventuras estapafúrdias: eu e Filipe construímos parques aquáticos para bonecos - época em que ele deixou uma calha cair da laje de sua casa e perfurar meu braço -, criamos telenovelas juvenis baseadas em livretos de conscientização do governo, romanceamos vídeo-games de luta (com participação especial de Peterson e sua irmã), redigimos revistas em quadrinhos, criamos toda uma série de monstros com os moradores ilustres do bairro, enfrentamos zumbis, fizemos corrida de litros pelo rio... Poderia inumerar por linhas e mais linhas por quantas aventuras Filipe foi meu fiel escudeiro, mas já ficou suficientemente claro que ele era engrenagem fundamental para o meu mundo criativo.

Outras peças importantes no tabuleiro da minha infância são Diego, Gustavo, Marcinho, Luiz (que hoje em dia é Gustavo), Carola, Carina, Diogo (onde quer que ele esteja) e por que não Josy, não é mesmo? Este post é dedicado igualmente a todos vocês que se tornaram marujos, piratas, bandidos, detetives e caçadores de zumbis por tantas e tantas vezes, mergulhando de cabeça num oceano de invenções malucas criadas por mim.

Contudo, uma hora a voz engrossa, o bigode cresce e a ingenuidade e pureza esvanecem, massacradas pela realidade, pelo compromisso, pela chatice que é se tornar adulto. Restam fotografias polaroide, dentro de sua mente, das viagens que você fez para um mundo que, agora, só existe na sua memória.

sábado, 2 de outubro de 2010

Música e Divagações: "Write About Love", Belle and Sebastian.


Faixa 1: I Didn't See It Coming

"(money makes the wheels and the world go round)
forget about it, honey"

Antes de qualquer outra coisa, dois avisos sempre válidos quando escrevo este quadro aqui no blog: eu não entendo quase nada de música, sou um mero apreciador sem conhecimentos profundos ou estudos sobre música. Portanto, tudo aqui é muito superficial - afinal, quem sou para analisar Belle and Sebastian, não é mesmo? Em segundo lugar, o Música e Divagações não é resenha, crítica ou artigo musical, mas simplesmente um espaço onde coloco um bom álbum para tocar e escrevo o que me vier à cabeça. Por isso, você, fã mala e super-indie que foi trazido até aqui pelos caminhos tortuosos do Google, ainda dá tempo de ir embora sem querer me matar com requintes de crueldade. Obrigado pela compreensão.

Ah, Belle and Sebastian! Lembro-me da primeira vez que ouvi uma canção deles, para vocês perceberem o quão importante é esta banda em minha vida. Estávamos eu e Bia¹ no Emi Esse Ene - a loira, que ganha o número 1 porque chegou primeiro; não quero brigas entre vocês duas - trocando figurinhas musicais, como sempre fazíamos. Conheci tantas bandas graças às dicas dela e acredito que também fiz boas indicações. Naquela noite, ela me perguntou se eu conhecia Belle and Sebastian. Minha resposta foi categórica: "Não conheço e nem quero conhecer". Sim, é verdade. eu reneguei uma das minhas bandas favoritas antes mesmo de conhecê-la.





Faixa 2: Come on Sister

"You could love
After all that's what you're looking for
You can love
It's a currency unspoken of."

Minha resposta tem um porquê, embora eu não saiba se esta é uma explicação válida: na época, adepto da vagabundagem, eu gastava minhas manhãs assistindo à programação matinal da Mtv. Era uma hora marginalizada onde eles comprimiam os clipes que o público-alvo não tinha interesse nenhum em assistir. Foi ali que tive a chance de conhecer bandas como Franz Ferdinand, Kings of Leon, Killers e Bloc Party, só para citar algumas. Vale ressaltar que há 5 anos atrás eu era um analfabeto digital e foi a Mtv que me salvou da alienação radiofônica.

E onde o Belle and Sebastian entra nisso?
Nessa época, o clipe de "Step into my Office, Baby" era presença certa em todas as manhãs. E eu simplesmente odiava a música, o clipe e tudo mais. Mas não se preocuparem, eu já corrigi esse pequeno deslize e hoje em dia eu adoro a música.

Faixa 3: Calculating Bimbo

Falando um pouquinho sobre o "Write About Love" antes de voltar à (nada) interessante narração sobre meu contato inicial com a música dos escoceses, "Calculating Bimbo" é, indubitavelmente, desde o primeiro momento que ouvi o álbum na íntegra, a minha música favorita deste sexto disco de estúdio. E pelos comentários que vi por aí no last.fm e no orkut, creio que não sou o único que pensa dessa forma. É uma das poucas canções que me passam sentimento de verdade, como os álbuns anteriores. Gosto da euforia de "Come on Sister" também, e "I didn't See it coming" é uma faixa direitinha, na linha. Mas a trinca inicial tem seu ápice com essa melodia maravilhosa de "Calculating Bimbo", com certeza. É uma pena que cheguemos a pensar que a coisa vai dar uma guinada e o álbum vai deslanchar, mas são expectativas frustradas, já vou avisando.

Faixa 4: I want the World to Stop

"I want the world to stop
Give me the morning, give me the afternoon
"The night.

Essa é uma das faixas que gosto bastante também. Gosto do ritmo da bateria e, de alguma forma, ela é uma das poucas que ainda me lembram o Belle and Sebastian clássico. Corrijam-me se eu estiver viajando bonito. E aproveite, povo, aproveite. O álbum vai desandar em poucos instantes.

Bom, então graças à faixa inicial de "Dear Catastrophe Waitress" eu reneguei o Belle and Sebastian num primeiro momento. Mas Dona Bia Fiola foi insistente e devo ser grato a ela por isso pelo resto dos meus dias: "Rollercoaster Ride" me foi enviada e "OMFG, que coisa linda é essa que você tá me passando, Bia?" foi o primeiro pensamento que me veio à cabeça. Logo depois ela me passou "Beautiful", "I'm Waking Up to us" e "Get Me Away from Here, I'm dying" e pronto. Já era amor.


Faixa 5: Little Lou, Ugly John, Prophet Jack (feat. Norah Jones)

Vocês sabem que bandas bacanas têm fãs chatos, né? Não sei como ninguém fez um estudo detalhado sobre isso ainda, vocês estão perdendo dinheiro. É porque não me sinto exatamente gabaritado, porque senão eu provaria essa tese. Basta pegar os fãs do Los Hermanos, do Belle and Sebastian e de meia dúzia de bandas indie que está tudo muito bem provado, é só assinar.

Mas então, imagina só a reação desse povo mala e xiita quando viram sua banda do coração dividindo o microfone com Mrs. Jones? Eita, foram espinhos para todos os lados. Antes mesmo de ouvir a música, já havia lido que era a pior faixa do Belle and Sebastian de todos os tempos. E de certa forma, o peso dessa opinião pesava todo para cima da pobre moça.

Agora, eu gostaria de saber: qual o problema com a gracinha da Norah, hein? Falta de talento não é, tenho certeza. Destoou do som dos escoceses? Também não acredito, a doçura da voz dela se encaixou bem na faixa, embora o Murdoch desse conta dela sozinho - isso é saudade da Isobel? Esse monte de cantora pelas faixas?

Eu acredito que o problema com a Norah Jones é pura e simplesmente a fama dela. A falta de status indie, de discos independentes e de shows para 200 pessoas. Portanto povo, Get Over It, please. Acho a faixa linda. E ponto.

Faixa 6: Write About Love.

"You've got to see the dreams through the windows
and the trees of your living room."

A faixa-título pra mim é o momento final do álbum. Sim, ainda faltam 5 faixas, mas tudo agora não passa de arranjos inexpressivos, música sem alma, canções que não fariam muita falta no mundo se não existissem. À primeira audição, tudo soou muito bacana para mim, afinal, esse é o primeiro álbum do Belle and Sebastian que presencio o lançamento - "The Life Pursuit" foi lançado em 2005, quando eu ainda não ouvia a banda. Mas depois de 2 ou 3 audições, comecei a notar que muitas das faixas eram tediosas. Não senti aquela vontade absurda de ouvir várias e várias vezes, excetuando "Calculating Bimbo". E pior ainda, o CD saiu na época em que eu tava descobrindo a música de Nina Simone. Foi uma disputa completamente desleal.


Faixa 7: I'm Not Living In The Real World.

Acho esta faixa uma bagunça, não gosto do refrão e tampouco deste vocal, que não sei de quem é. Se "Calculating Bimbo" está no extremo positivo, "I'm Living in the real World" está no exato extremo oposto. Espero sinceramente que eles não resolvam tocá-la no show, porque tem muita coisa dos álbuns anteriores que a gente prefere ouvir do que estas canções sem graças.

Voltando à história da entrada do Belle and Sebastian na minha vida - esse post tá uma zorra, Zeus do Olimpo! -, fui aos poucos baixando os álbuns da banda, depois da introdução feita pela Bia e, então, finalmente me deparei com o "If You're Feeling Sinister". Sim, foi um momento sublime. Perfeito na íntegra, ouvi à exaustão e de lá saiu a maioria das minhas canções favoritas da banda. Comecei a comprar os álbuns e dvd's e, quando percebi, tinha uma pequena coleção de material dos escoceses. Aos poucos, viravam uma de minhas bandas favoritas.

faixa 8: The Ghost Of Rockschool.

Falando nos shows, os escoceses desembarcarão em terras brasileiras nos dia 10 e 12 de Novembro para dois shows em São Paulo e no Rio, respectivamente. Eu sei que perder este show pode ser atestado como retardamento mental - não para quem perdeu o show do Damien Rice, né? -, mas eu ainda não tive certeza absoluta se poderei ir. Estou mobilizando empréstimos com agiotas e quem saiba eu desça a serra andando, não é mesmo? Essa vida de universitário não tá fácil.

Faixa 9: Read the Blessed Books.

Eu acho essa faixa muito bonitinha. Gosto do violão dedilhado e da doçura da voz do Stuart. E por falar nessa doçura tão característica do Belle and Sebastian, banda pouco indicada para diábeticos musicais, talvez aí esteja o meu problema parcial com esse álbum. Estou em uma época nada doce da minha vida, beirando a infelicidade, de verdade. E, embora escrever sobre o amor seja uma ótima ideia, não faz parte da minha verdade neste momento.

Então, não descarto a possibilidade de daqui a alguns meses (eu não posso falar anos; meu coração não aguentaria tanto tempo) pegar este álbum para ouvir novamente e cada notinha dele fazer o mais pleno sentido. A música, muitas vezes, segue a direção dos nossos sentimentos, e precisamos estar atentos a isso quando ouvimos certa banda.

Faixa 10 - I Can See Your Future.

Portanto, se fosse para escolher uma música do Belle and Sebastian para definir como ando me sentindo, seria essa aqui:

"I don't love anyone. Not even Christmas. Especially not that.
I don't love anyone."

Uma postura um tanto pré-adolescente revoltado, mas cada um cuida do que traz dentro do coração, não é mesmo?


Faixa 11: Sunday's Pretty Icons

Também gosto bastante desta faixa que fecha o álbum. "Write About Love" não é um disco ruim, se você conseguir separá-lo de uma discografia que inclui duas obras-primas como "If you're feeling Sinister" e "Tigermilk". Mas se um amigo, algum dia, quiser começar a ouvir Belle and Sebastian e pedir uma dica de por qual álbum começar, nunca a resposta será "Write About Love", porque ele não traz a essência de uma banda tão bonita e emblemática. Mas, se for possível deixar o saudosismo de lado, você pode ter momentos divertidos e agradáveis com esse sétimo álbum da banda. Boa audição!