— Vim assim
que pude. Você me pareceu tão preocupado ao telefone.
— Desculpe tirá-lo
assim do serviço, amigo, mas eu não sabia a quem mais recorrer.
— O que
aconteceu? Fale-me logo antes que eu tenha um treco.
— É... é
que... eu acho que estou feliz.
— O: Fffe-feliz?
— É. Eu acho
que sim...
— Mas... tem
certeza, amigo? Felicidade? Tem certeza que não é asma? Reumatismo? Cólica?
Como isso foi acontecer, meu Deus? Desde quando você está sentindo isso?
— Não sei bem
ao certo. Lembro-me dum dia em que ele desceu do ônibus... Foi nosso primeiro
encontro à luz do dia; só tínhamos nos visto à noite antes disso. E,
subitamente, parei, extasiado, e disse “Você tem olhos bonitos.” Desde então,
acho que os olhos dele me fazem feliz.
— Que horror, meu
amigo. Feliz por causa duns olhos.
— É, eu sei.
— Você já
contou para sua família?
— Não! Claro
que não. Como posso chegar para minha mãe e dizer: “Oi mãe. Estou feliz, você
acredita nisso? Sim, isso. Felicidade mesmo.” Ela me coloca pra fora de casa só
com a roupa do corpo.
— Você precisa
se tratar. Procurar um médico, ver uns filmes do Lars Von Trier, ouvir Antony
and the Johnsons...
— Não adianta.
Nada disso. Ontem à noite, fui para a cama com uns poemas do Bandeira. Daqueles
que parecem navalha cortando a alma, sabe? Nada. Nem uma lagrimazinha nos cantos
dos olhos, um suspiro pesaroso, uma melancolia pungente...
— Talvez
seja... não, melhor não falar isso.
— Fale. A
coisa não pode ficar melhor... pior... hum... mais grave do que já está.
— E se for
felicidade crônica?
— D: Não diz
isso, por favor. O que aconteceu com aquela ideia de que a felicidade é
efêmera, nunca dura, dissipa-se com a mesma facilidade que nos assola? Eu não
quero viver assim. Não vou suportar o bom humor matinal, o sorriso no ônibus, o
mundo com cores vivas e alegres. Quero o cinza do meu quarto, quero os
passos taciturnos, o andar cabisbaixo... Já nem sei mais quem sou! Horror, fim
dos tempos! Faça alguma coisa, cara!
— Olha... Eu
não sei se vai ajudar muito, mas, certa vez, li num livro que no século XX
houve uma epidemia de amor pelo mundo.
— Amor? Você
quer dizer, amor, amor mesmo?
— Sim. As
pessoas se amavam, dá pra acreditar nisso? Eu não consigo nem conceber a ideia
de viver num mundo com amor, é surrealismo demais para minha cabeça.
— E o que
aconteceu?
— Oras, as
pessoas se curaram disso, obviamente. Por isso, fique tranquilo, meu chapa.
Daqui a pouco essa coisa de felicidade passa.
— Assim
espero, amigo. Assim espero.
2 comentários:
perfeito! continue escrevendo, os textos são muito bons ((:
olá, Jana.
obrigado pelo elogio, viu. creio que foi você que me adicionou no flickr e no last.fm por estes dias e, baseado em tuas belíssimas fotos, vejo que vc tem muita sensibilidade aí com você.
um lindo dia pra ti. =)
Postar um comentário