Pequenos vaga-lumes brilhavam sincronizadamente na caverna da família Urso, que, protegida do frio da nevasca que tomava conta da floresta, tinha um aroma suave de nozes e amêndoas. Num dos cantos, o Alce Alceu, estático e em silêncio absoluto, com uma suspeita galhada revestida de folhas de pinheiro, ganhava frutinhas de enfeite, penduradas meticulosamente por Horácio e seus primos polares, Paolo e Poliana. Os olhinhos de Alceu se mexiam, seguindo o movimento dos filhotes, e refletindo as luzes de natal.
- Por que você usa esses óculos? - Paolo questionou, desedenhoso, pendurando algumas cerejas na árvore medonha que possuía olhos.
- Tenho alguns graus de miopia - o ursinho-de-óculos explicou enquanto rodopiava em torno de Alceu com cipós coloridos.
- Eles te deixam com uma cara de besta - Poliana riu-se, alisando os pelos alvos, entediada.
- Assim como esse comportamento infantil também os deixa - Horácio retrucou.
- Ei, não fale assim com a minha irmã!
- Deixa ele, Paolo. Daqui a pouco ele vai lá choramingar com aquele pai balofo dele.
E os dois ursinhos gargalharam, maldosos, se afastando. Cinzento, irritadíssimo, acompanhava as crianças com olhos atentos. Estava prestes a intervir: não deixaria ninguém tratar seu filho daquela forma. Paolo, entretanto, dissimulado como uma raposa, abraçou a idosíssima tia Apolinária - uma ursa polar tão velha que Horácio cogitou a hipótese de ela ser sobrevivente da Era Glacial - e disse, com uma vozinha meiga e falsa:
- Onde foi o vovô Apolo, tia Apolinária?
A velha mordeu a boca desdentada, acariciando o pelo sedoso do sobrinho.
- Ele saiu pra buscar uma surpresa para nosso natal, queridinho. Ah, e por falar em surpresa... - ela disse de repente, levantando-se com dificuldade e caminhando para alcançar sua bolsa - ... veja, Cinzento, trouxe presentes para você, Eduarda e Horácio.
Cinzento, rabugento, tomou o presente e, com as garras afiadas, rasgou o embrulho de folhas coloridas.
- Meias? - resmungou, revirando, incrédulo, os três pares de meias felpudas.
- Sim, não são lindas? - tia Apolinária parecia muito satisfeita. - Conheci um grupo de ovelhas tropicais que morriam de calor e, portanto, doaram sua lã para que eu tricotasse essas belezuras.
- Nós somos ursos! Não precisamos de meia, não sentimos frio, humpf.
- São lindas, tia Apolinária - era Eduarda, vindo com uma deliciosa torta de nozes às patas. - Anda, Cinzento, experimenta para ver se cabe - ela mandou, fazendo uma careta imponente.
- Mas Eduarda, um urso de meia? O que pode ser mais besta? - ainda tentou argumentar o urso-cinza, mas sabia que divergir da opinião da esposa não era a escolha mais adequada. Nunca.
Cinzento sentiu-se muito estúpido com as meias três-quartos de listras multicoloridas, e seu mau-humor ganhou um agravante significativo. Foi esconder-se no canto posterior, longe das luzes, como que humilhado por aquele presente, o que causou risadas jocosas dos ursinhos polares Paola e Poliana. Horácio acompanhava tudo com os olhos confusos: ainda não sabia ao certo o que era o natal ou por que Danilo estava tão excitado com a data.
Vovô Apolo, um urso-polar um tanto mais velho que tia Apolinária, mas, ao contrário dela, de corpo robusto e jovial, adentrou a caverna com uma surpresa barulhenta e inusitada às patas: numa rústica gaiola de galhos, trancafiado e aflito, um peru batucava contra a jaula, tentando se libertar.
- Vejam só, eu trouxe o jantar! - Vovô Apolo anunciou, levantando a gaiola, orgulhoso.
- Por favor, vocês não vão querer me comer - disse o peru com desespero, soltando penas de aflição. - Eu estou muito magro, acho que tenho anemia. Se quiserem, dou o endereço de uma prima minha, um tanto mais gordinha e...
- Vô, não comemos mais carne aqui - Cinzento explicou, chateado, do seu cantinho escuro.
- Como assim não comem carne? - Vovô Apolo parecia ter ouvido o maior dos absurdos.
O peru respirou aliviado.
- Uma dieta à base de verduras é muito mais saudável, garanto - disse ele, como que perito em nutricionismo.
- E como pode estar gordo assim comendo só mato? - Poliana pontuou, intrigada.
- Desde que Horácio nasceu - começou a explicar Cinzento, em meio ao falatório -, paramos de comer carne, porque ele ficava assustado com o canibalismo.
Todos os olhares viraram-se para Horácio, julgadores, decepcionados - com exceção de tia Apolinária, que cochilava a ponto de roncar. O ursinho, desconcertado, limpou uma lágrima que teimou correr por detrás dos óculos, e subiu as escadas encrustadas na pedra para uma caverna adjacente, que lhe servia de quarto. Eduarda seguiu-o e, acarinhando os pelos do topo da sua cabecinha, disse com a voz doce:
- O que foi, meu pequeno? Não gostou do natal?
- Não! - ele respondeu, em meio a um choro doído. - O natal é um saco, e o papai tá irritado e sendo ridicularizado por minha causa.
- Horácio, não seja bobo. Seu pai sempre está irritado e sendo ridicularizado. Isso não é culpa sua. - Eduarda deu um beijo na bochecha do filhote, amorosa, e disse: - Você ao menos já descobriu realmente o que é o natal?
- Ainda não - resmungou fungando.
- Então vai lá.
Horácio voltou às escadas e, de repente, como se tivesse uma visão, uma iluminação, parou, de olhos arregalados: os ursos estavam rodeando a mesa, compartilhando a torta de nozes feita por Eduarda, rindo e felizes. Até o peru tinha um lugarzinho à mesa e bicava sua fatia de torta, muito satisfeito.
Entre as luzes reluzentes dos vaga-lumes, Horácio finalmente entendeu o que era o natal: aquele laço invisível que unia as famílias em um abraço apertado, que, pelo menos por uma noite, apagava as diferenças e tornava a todos um pouquinho mais pacientes. Mais que isso, natal devia ser, Horácio ponderava, aquela paz mansinha que encontrava no amor de seus pais e na vontade impetuosa de demonstrar esse amor.
O pequeno urso-de-óculos aninhou-se no colo do papai Cinzento, com um sorriso inocente: descobrira, de repente, que amava o natal.
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AGRADECIMENTO: Daniel Thurler, por, mais uma vez, aturar os pedidos do namorado chato e preparar esses desenhos lindos do Cinzento e sua família. <3
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AGRADECIMENTO: Daniel Thurler, por, mais uma vez, aturar os pedidos do namorado chato e preparar esses desenhos lindos do Cinzento e sua família. <3