domingo, 16 de agosto de 2009

descoberta.


É como se já acordasse fatigado e indisposto e o máximo de esforço possível fosse se arrastar até o sofá e alienar-se com qualquer entretenimento fácil que não exigisse o trabalho de seus neurônios. Há um peso sobre ele, algo que o afunda no estofado gasto a ponto de poder ouvir suas costelas estalarem. Quando pode finalmente levantar-se, a tarde já ilumina a casa com seu ameno brilho invernal e o máximo que seu ânimo lhe permite é um ida à casa de um amigo. Não que isso represente grande diferença, já que o procedimento é o mesmo: televisão e o corpo estendido, inerte, preguiçoso. É assim que ele gasta aqueles que deviam estar sendo os melhor anos de sua vida.

Constantemente ele questiona-se o quanto daquilo tem relação com o rapaz de nome anacrônico que partiu seu coração. E surpreende-se ao perceber que muito pouco. A ferida aberta causada por ele já transforma-se gradualmente num pequeno risco rosado na epiderme de sonhos, uma efêmera cicatriz de expectativas frustradas. Continua exorcismando aquele fantasma com veemencia, mas o poder que ele exercia sobre seus sentimentos não existe mais.


E ao deitar a cabeça no travesseiro e mirar os desenhos assimétricos feitos no teto pela infiltração, ele percebe que está de volta ao vazio que sempre o acompanhou antes da aparição miraculosa do cabofriense. Fora iludido com promessas de que dessa vez ia ser diferente, mas é exatamente a mesma coisa que sempre sentiu e só precisa de um pequeno espaço de tempo para acostumar-se novamente àquela solidão. Uma solidão que não tem nada de doce, ele bem recorda-se agora.

Quando o sono promete anestesiá-lo e em meio às primeiras imagens oníricas em suas pálpebras, a descoberta está finalmente feita, nítida e pulsante entre seus primeiros devaneios:

"Eu preciso URGENTEMENTE ser amado."

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

doce solidão.

o micro-ônibus desliza lentamente deixando o céu cinza de friburgo para trás. enquanto as montanhas ficam no passado, a pressão do meu corpo cai, me sinto mal. está calor dentro do pequeno caixote com rodas e eu fecho os olhos, me obrigado a dormir.

é assim que curamos as cicatrizes que não querem sarar; fechando os olhos.

é estranho estar de volta. à primeira curva para entrar na estrada beira-mar, por trás das minhas pálpebras cansadas começa a ser projetadas lembranças não muito distantes.

não há como fugir. em cada esquina daquela cidade há um holograma vivo, colorido, fazendo-me reviver cada segundo daquele dia de junho.

"foi o dia mais feliz da minha vida."
que coisa estúpida de se pensar. tento mentir para mim mesmo que aquilo não é uma verdade.

*

fomos ver o mar. pequenos flocos de nuvens dividem espaço com o sol dourado.

o mar. pequenas ondas batem preguiçosamente na orla. o sol reflete-se com vaidade nas águas calmas.

"somos insignificantes diante de tamanha grandeza."

diego vai para a água. não quero sentir o mar. quero apenas apreciá-lo. tentar entendê-lo.

"acho normal tá no mundo feito faz o mar num grão de areia."
(marcelo camelo)

o mundo é o mar.
somos meros grãos de areia.

a vida é isso.

*

noite.
o mar é ainda mais imponente no bréu.

pessoas passam por nós. carros tocando funk. mulheres atrás de possuídores da carros. homens atrás de mulheres que querem seu carros.

não somos assim. nos sentimos criaturas estranhas cercados por uma espécie que não é a nossa.

se fôssemos como eles, seríamos felizes, argumento.
diego não concorda.

e sentados em frente ao mar, estamos acompanhados.

solidão.

somos dois solitários. dividimos solidão.

estamos sozinhos juntos. uma pequena discrepância.




*

a melhor pizza de nossas vidas.
pequenos prazeres gustativos que substituem os prazeres que nos foram negados.
valeu cada um dos muitos centavos.

*

"a felicidade não existe. ser feliz é um estado. temos pequenos momentos felizes, mas não somos felizes. a felicidade é nos dada em pequenas doses. ninguém é feliz."

*

o encontro com o mar. o mergulho em sua magnitude.
a paz.
a calma interior.

a solidão.

"foge que eu te encontro que eu já tenho asas."
(marcelo camelo)

mas meus olhos ainda estão pregados nas centenas de quilômetros à frente, na maquete em que a distância transforma a outra cidade. me pergunto o que ele estaria fazendo naqueles pequenos pontinhos pretos.

ignorando minha existência. é isso que ele está fazendo.

afundo na água salgada.

*

o ponto final é dado na mesma praça onde o vi pela última vez.
narro para o diego os últimos momentos de quando nos vimos: a inadequada história do seu último relacionamento; o aconchego do seu colo no carro; o beijo quase roubado na padaria; a brincadeira de analisar as moças em frente à rodoviária; e o último adeus, com a falsa promessa de que nos veríamos novamente.

olho em volta. rio das ostras não é um itinerário adequado enquanto houver resquícios dele em seus cantos.

talvez eu só deva voltar lá quando conseguir reduzi-lo ao nada que ele merece ser.

o ônibus para. entramos.

dois solitários cruzando a estrada escura de volta às suas vidas.

... fecho os olhos, me obrigando a dormir.